Foi através do trabalho de Patrícia Guarnieri que passei a dar mais atenção às implicações e imensa importância do processo de Logística Reversa. Posso dizer que pouco sabia a respeito. Conclui que, como a autora do livro Logística Reversa: em busca do equilíbrio econômico e ambiental diz, é uma questão de qualidade de vida. Por mais que façamos a nossa parte em pequenas ações no dia a dia, também devemos ficar atentos para que essa proposta seja de fato implantada, pois é a favor de nosso bem-estar e da preservação do meio ambiente.
Patrícia Guarnieri tem uma sincera preocupação com a qualidade de vida da sociedade e escolheu um caminho profissional onde possa contribuir com mudanças positivas. Considerando sua visão global (e também sistêmica) sobre sustentabilidade, nesta última parte da entrevista o blog buscou ouvir sua opinião como cidadã do mundo, a respeito da Usina Belo Monte, Código Florestal Brasileiro, Rio + 20, mobilidade urbana e internet.
Considero que vale muito a pena a leitura.
Considero que vale muito a pena a leitura.
Usina Belo Monte
Quais os aspectos positivos e negativos que vê, como estudiosa de questões ambientais, sobre a Usina de Belo Monte?
Bom, inicialmente quero ressaltar que não sou especialista na área e que, antes de somente paixão pela causa ambiental, minha posição contra Belo Monte é embasada em opiniões, relatos e documentos oriundos de especialistas que acompanharam todo o desenrolar deste projeto bem de perto, como por exemplo, Dr. Celio Bermann da USP e Arsênio Oswaldo Sevá Filho da UNICAMP, entre outros.
Em primeiro lugar, sou contra a cultura de que tudo deve ser resolvido em curto prazo (prática comum no Brasil) e, em consequência disso, ter que adotar práticas que até resolvem o problema, mas gerarão sérios impactos na floresta, na biodiversidade e sociais. Com relação ao impacto social, tribos indígenas e ribeirinhas vivem das atividades de pesca e extração neste lugar, os quais serão prejudicados, pois o fluxo do rio sendo alterado, o volume da pesca e o ritmo da floresta também serão. Muitos questionam o fato de que a maioria das pessoas desta região vivem em condições subumanas, sem saúde, saneamento, energia e emprego. Concordo que estes problemas devem ser resolvidos, mas não com um projeto tão lesivo ao meio ambiente. Além disso, estes problemas decorrem do descaso de muitos governantes que durante anos não lembraram que estas pessoas existem. Talvez mais do que o desenvolvimento para a região, essas pessoas gostariam de terem sido consultadas e participarem do processo. Não acredito que a usina será a solução de todos estes problemas, como os defensores da proposta afirmam.
O projeto da Usina de Belo Monte, de acordo com tudo o que já li e verifiquei só me leva a concluir que os interesses econômicos de alguns grupos que detém o poder estão acima de qualquer coisa. Inclusive destes impactos que são seriíssimos. Tudo isso decorre do atual sistema de desenvolvimento brasileiro que se concentra na produção de commodities (como aço, alumínio, grãos, minério de ferro, pecuária, etc.), que exigem por sua vez, mais recursos energéticos e causam mais impactos ambientais.
A questão é que a construção da usina não está ocorrendo, como o governo afirma, para evitar apagões e beneficiar a população local, (nós consumidores finais consumimos apenas 4% de toda a energia gerada no país). Ela está ocorrendo para garantir a continuidade dos processos produtivos das atividades e indústrias extrativistas, que extraem recursos naturais não renováveis e os exportam sem agregação de valor nenhum para outros países.
Se o Brasil optasse pelo sistema de desenvolvimento que agregasse valor às commodities, de forma a exportar não somente a matéria-prima bruta, mas também os produtos beneficiados, os impactos não seriam tão grandes e o retorno econômico seria maior. O que ocorre é que nós fornecemos a matéria-prima e depois pagamos muito caro pelo produto final com valor agregado.
Por fim, a construção da usina será um desafio enorme. Nesta região não existe estrutura logística para a movimentação de pessoas, equipamentos e materiais no local de construção o que, com certeza, causará custos elevadíssimos e também muitos impactos ao meio ambiente e à população que vive na região. Não acredito que esta solução seja a mais adequada para o problema energético brasileiro neste momento, além de considerar que o Brasil como um dos maiores detentores de florestas do mundo, está indo na contramão do desenvolvimento sustentável. Também não acredito que todo o impacto ambiental e social causado, pode ser compensado com o desenvolvimento econômico da região.
Código Florestal
Você é de Cascavel-PR, uma cidade grande, mas do interior do estado. Portanto, imagino que sempre esteve mais ou menos próxima do cotidiano da área rural, incluindo os pequenos agricultores. Quais os aspectos positivos e quais os negativos que vê na aprovação dessa nova proposta do Código Florestal para a agricultura familiar?
Sim, realmente a região em que morava era predominantemente agrícola e era responsável por movimentar todo o resto, comércio, indústria, etc. Trabalhei também no comércio e por experiência própria, constatei que quando a agricultura ia mal, todo o resto também ia...
O Código Florestal possui, de acordo com o que tenho lido, duas propostas diferentes para a agricultura familiar: por um lado, inclui a defesa de práticas agroecológicas, cultivo de diversas culturas, sistemas agroflorestais e utilização sustentável dos recursos naturais, o que é altamente positivo e pode agregar maior valor à agricultura familiar. Porém, por outro lado, também apóia uma agricultura familiar mais técnica e especializada voltada ao mercado de commodities, o que a meu ver não é positivo. Como já citei anteriormente, acredito que o Brasil deve deixar de ser o celeiro do mundo (por exportar somente commodities) para começar a exportar produtos beneficiados, com maior valor agregado. Desta forma a agricultura familiar poderia se tornar mais competitiva e ganhar mais mercado.
O Código Florestal possui, de acordo com o que tenho lido, duas propostas diferentes para a agricultura familiar: por um lado, inclui a defesa de práticas agroecológicas, cultivo de diversas culturas, sistemas agroflorestais e utilização sustentável dos recursos naturais, o que é altamente positivo e pode agregar maior valor à agricultura familiar. Porém, por outro lado, também apóia uma agricultura familiar mais técnica e especializada voltada ao mercado de commodities, o que a meu ver não é positivo. Como já citei anteriormente, acredito que o Brasil deve deixar de ser o celeiro do mundo (por exportar somente commodities) para começar a exportar produtos beneficiados, com maior valor agregado. Desta forma a agricultura familiar poderia se tornar mais competitiva e ganhar mais mercado.
Rio + 20
Como vê a Rio +20 e o que considera de fundamental nesse evento?
O Rio+20 figurará entre os eventos mundiais mais importantes relacionados à sustentabilidade. Espero que ele seja um marco para nós, brasileiros, mudarmos nossas atitudes em favor do meio ambiente. Com certeza o evento é muito importante para discutirmos alternativas e soluções para o desenvolvimento sustentável e, para isso, temos que considerar que além da preservação ambiental, devemos discutir práticas para a erradicação da pobreza e também melhoria na educação, pois acredito que estes dois fatores aliados: “pobreza e carência de educação”, são em parte os causadores do desequilíbrio ambiental.
É claro que acredito que também grande parte deste desequilíbrio se deve ao desenvolvimento econômico prevalecer sobre os interesses ambientais na maioria das vezes, mas os fatores anteriores também devem ser analisados e incluídos nesta discussão a ser realizada no Rio+20. Porém, o fundamental é que não hajam somente discussões, mas sejam assumidos compromissos, os quais também pressupõem prazos para que os problemas ambientais mundiais sejam solucionados. Ou seja, os países desenvolvidos e em desenvolvimento, representados pelos seus governantes e também pela sociedade devem assumir a responsabilidade de frear este desequilíbrio ambiental, antes que seja muito tarde.
É claro que acredito que também grande parte deste desequilíbrio se deve ao desenvolvimento econômico prevalecer sobre os interesses ambientais na maioria das vezes, mas os fatores anteriores também devem ser analisados e incluídos nesta discussão a ser realizada no Rio+20. Porém, o fundamental é que não hajam somente discussões, mas sejam assumidos compromissos, os quais também pressupõem prazos para que os problemas ambientais mundiais sejam solucionados. Ou seja, os países desenvolvidos e em desenvolvimento, representados pelos seus governantes e também pela sociedade devem assumir a responsabilidade de frear este desequilíbrio ambiental, antes que seja muito tarde.
Sustentabilidade
O que é sustentabilidade para você?
A Sustentabilidade considera a utilização dos recursos naturais de forma a garantir sua preservação para as gerações futuras, o que é obtido se buscando um equilíbrio entre desenvolvimento econômico, social e ambiental. A Sustentabilidade não considera “somente” a preservação ambiental, como muitos erroneamente acreditam, pois não podemos retroagir no desenvolvimento econômico. Podemos sim, encontrar meios para que a extração dos recursos ocorra de forma menos lesiva, criando materiais alternativos e utilizar tecnologias e soluções mais efetivas em prol do meio ambiente.
Na sua visão, quais os temas relativos à preservação do meio ambiente que devem ser revistos com maior urgência?
Creio que os temas “incentivo ao consumo”, “geração de resíduos (incluindo a PNRS)”, “educação ambiental”, “obsolescência planejada”, “preservação das florestas”, “fontes de energia alternativas” estão entre os temas que devem ser revistos com urgência, mas com certeza existem muitos mais que merecem atenção.
No dia a dia, quais são suas práticas para contribuir com um mundo mais sustentável?
Procuro economizar água, energia elétrica, além de separar o lixo reciclável (seco), do lixo orgânico (úmido). Também penso muito antes de comprar qualquer coisa, sendo estes bens perecíveis ou não, como por exemplo, evito comprar alimentos demais para não ter que descartá-los depois. Se possuo um bem que está funcionando perfeitamente, procuro utilizá-lo o máximo possível, opto por embalagens que são mais fáceis de reciclar, entre outras coisas. Creio que depois de tanto me informar a respeito de sustentabilidade, mudei muito meus hábitos de consumo e acredito que isso é uma forma de contribuir com o meio ambiente.
Além disso, procuro conscientizar ao máximo as pessoas com quem convivo, familiares, amigos, alunos, etc, ressaltando sempre que se cada um fizer a sua parte, poderemos garantir um futuro melhor para o planeta.
Mobilidade Urbana
Seu veículo é o carro? O uso é constante? Costuma dar caronas para aliviar o CO2 e o congestionamento, por exemplo? Por quê?
Sim, mas como atualmente tenho trabalhado predominantemente em casa, saio pouquíssimas vezes. Também ao escolher um lugar para morar, sempre opto por locais com facilidades próximas para poder me locomover sem necessidade do veículo. Quanto utilizo o carro costumo dar caronas e acredito fortemente, que esta pode ser uma das soluções para reduzir a emissão de CO2 e o congestionamento. Atualmente, devido ao aumento do poder de compra e crédito mais acessível, o número de veículos nas cidades se multiplicou. No entanto, a melhoria da infra-estrutura das cidades não acompanhou esse desenvolvimento e não temos espaço para mais carros. As grandes cidades, como é o caso de Recife, onde morei até recentemente, estão a ponto de literalmente “parar”, devido a esta situação. Precisamos urgentemente da melhoria do transporte coletivo e da utilização de meios alternativos como a bicicleta, por exemplo.
Gosta de bicicleta? É a favor que aumente o número de usuários?
Sou completamente a favor do uso das bicicletas e do aumento do número de pessoas que a utilizem, pois além de desafogar o trânsito, há a questão da melhoria da saúde e qualidade de vida dos usuários.
E para que aumente esses usuários (de bicicleta), o que acha que teremos de adaptar para a circulação desse veículo?
Acredito que será necessário planejar a inclusão de ciclovias para garantir a segurança e a criação de locais apropriados para deixar as bicicletas. Gostei muito do sistema de algumas cidades da Europa, nas quais o transporte público funciona muito bem e juntamente às estações de trem e ônibus, existem locais para alugar bicicletas, as quais podem ser devolvidas em outras estações. Desta forma, com o transporte público integrado com as bicicletas, é possível sim, reduzir muito o congestionamento. Muitas pessoas que conheço, não utilizam suas bicicletas para ir ao trabalho porque em suas cidades não há uma ciclovia ou uma via segura para trafegar.
E sobre o transporte público, como o ônibus, o que considera que deva melhorar?
Com certeza o transporte público no Brasil deve melhorar muito. Devem ser construídas mais vias exclusivas para este tipo de transporte e também aumentar o número de rotas e horários. Atualmente o transporte público, na maioria das grandes cidades, não atinge nem 1/3 da população. Por isso, muitos se obrigam a comprar um veículo para se locomover.
Você vê uma pessoa num carro com quatro lugares e apenas um ocupado. Ao mesmo tempo, vê os ônibus lotados, com as pessoas “esmagadas”. Qual sua conclusão?
Acredito que muitas pessoas não utilizam o transporte público no Brasil porque ele é de péssima qualidade. O tempo que você gasta esperando por um ônibus, muitas vezes torna inviável o processo de se locomover para o trabalho e depois voltar para casa. Então acabam comprando seus veículos e se locomovendo com um pouco mais de facilidade. Também creio que a grande maioria da população que utiliza o transporte público, o faz porque não possuem outra alternativa. Além disso, o conceito de carona solidária não é totalmente aceito no Brasil, devido também à falta de segurança e consequente “desconfiança” da população. Muitos não acham normal dar carona para um estranho. Por isso acredito que esse sistema, deveria ser mais divulgado e estruturado, com o objetivo de conquistar uma maior parcela da população.
Quais as atitudes que considera indelicadas no trânsito e como reage quando se depara com uma delas?
Bom... Existem muitas atitudes indelicadas, como por exemplo, não parar na faixa de pedestres, buzinar sem necessidade, utilização de palavras ou gestos inadequados, etc. já presenciei cenas de violência (agressão física) no trânsito, por motivos muito pequenos e fiquei muito chocada. Acredito que o melhor é não reagir quando somos ofendidos indevidamente, pois hoje em dia não sabemos do que a outra pessoa é capaz. O stress de ficar em um congestionamento é tão grande que muitas pessoas realmente perdem o controle, o que é lastimável. Pessoalmente, fico muito ansiosa e irritada no trânsito, quando passo por isso chego em casa esgotada.
O que uma cidade ideal pra você?
Uma cidade ideal deve possuir um transporte público decente, que permita aos cidadãos se locomoverem de casa para o trabalho de forma rápida, segura e digna. Também deve possuir locais para lazer, incluindo muitas árvores, lagos, enfim, muita natureza, além de ciclovias em toda a extensão da cidade, permitindo que os moradores possuam a alternativa de utilizar a bicicleta como meio de transporte e também de lazer. Deve ter saneamento básico eficiente para toda a população, deve ser limpa, possuir programas de coleta seletiva, alternativas para o reaproveitamento do lixo urbano. E é claro, não possuir o congestionamento que vemos nas grandes cidades. Enfim, acredito que na atual realidade brasileira, talvez seja demais querer tudo isso, mas não custa sonhar...
A internet
Acredita que a internet está contribuindo para os atuais questionamentos e mudanças de valores em nossa sociedade?
Com certeza, acredito. Atualmente o acesso à informação é mais democrático e as pessoas estão cada vez mais conscientes do seu papel nas mudanças que devem ocorrer na sociedade. Isso é claramente perceptível na grande adesão às manifestações e movimentos sociais. Acredito que isso ainda vai aumentar. Significativamente. Temos que considerar também que é uma questão de cultura e hoje na internet, muitos estão plantando a semente para que ocorram mudanças de valores e de atitudes futuramente.
Acha que a internet é causa ou instrumento?
Acredito que seja um instrumento. Muitas pessoas possuíam boas idéias e boa intenção, mas não tinham oportunidade de se expressar, hoje isso mudou. A internet possibilita que todas estas manifestações ocorram, não acredito que seja a causa delas ocorrerem.
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lendo: Logística Reversa = Qualidade de Vida
Patrícia Guarnieri é professora e pesquisadora da UnB- Universidade de Brasília;
doutora em Engenharia de Produção pela UFPE; mestre em Engenharia da Produção,
com ênfase em Gestão Industrial pela UTFPR; especialista em Gestão Empresarial
pela Univel/Inbrape e em Docência no Ensino Superior pela Unipan e graduada em
Ciências Contábeis pela Unioste.
Mais informações: www.patriciaguarnieri.blogspot.com
As
fotos são créditos da entrevistada