1 de setembro de 2011

Poesias iluminando as ruas #cidades


Se você já sonhou com poesias colorindo a cidade, acredite, cenas assim podem ser reais.  Em Curitiba, o projeto Poesia no Muro, idealizado pela educadora Juliana  Luz, está transformando os muros e a vida de seus  moradores.

O que é o Poesia no Muro?

“Poesia no Muro” é um projeto que visa explorar a expressão juvenil através da poesia e da pintura mural, trabalhando a construção de poemas-visuais. 

Inclusão Social e Arte-educação

Quais suas etapas?

A primeira etapa deste projeto consiste em um conjunto de atividades de sensibilização para a comunidade, seguida da realização de oficinas, que está dividida em três módulos. 

Esta sensibilização conta com a palestra “Arte nas ruas de Curitiba”, realizada pelo professor da UFPR Ângelo José da Silva. Logo em seguida começa a realização das oficinas, durante três meses. A última fase é uma exposição de fotos dos muros pintados, que passará pelas nove regionais da cidade.

Qual a proposta?

O primeiro módulo é dedicado a leitura e exploração de textos poéticos escritos por grandes poetas, como Paulo Leminski, Helena Kolody, Ferreira Gullar, Arnaldo Antunes, entre outros. Segue-se então o segundo módulo, que é o de criação poética, onde se parte de exercícios individuais de manejo das palavras, com temas de interesse presentes no universo dos participantes, até chegar a modos de produção coletiva. O trabalho em grupo é parte essencial deste projeto. Neste módulo já começa o mapeamento pelo bairro dos muros que poderiam abrigar as composições poético-visuais que estão sendo forjadas pelos participantes. Esta etapa do projeto é importante, pois envolverá ainda mais a comunidade que poderá ajudar a escolher os espaços e auxiliar na cessão legal dos mesmos. No terceiro e último módulo do projeto, os participantes, em grupo, irão escolher as composições que serão publicadas-pintadas nos muros. Serão realizados esboços prévios antes da pintura definitiva, e serão montados grupos de trabalho para atuar paralelamente em distintos pontos.


intervenção urbana


O que a levou a idealizar uma proposta assim?

O espaço urbano é o palco da maioria de nossas atividades, é o lugar em que atuamos e construímos nossas subjetividades. A partir do reconhecimento deste cenário, a juventude tem necessidade de reivindicar espaços e encontrar canais para plasmar sua forte necessidade de expressão. Este projeto visa abrir e aprimorar estes canais através de uma ação benéfica, pacifista e acima de tudo, poética, atuando desde a empatia, num enfoque positivo e aberto a participação da comunidade.  Tal enfoque criará um contraponto importante, desde a via da criação artística e da criatividade à dimensão opaca da sociedade expressa pelo medo, o conflito, a tragédia social e o conformismo.

E como foi o processo? 

Tive a idéia de escrever o projeto quando voltei de Barcelona, cidade que morei por um ano e meio. Por ser um pólo cultural bastante forte em arte urbana, imaginei que poderia ser interessante criar um projeto de arte-educação que envolvesse esta linguagem. Foi quando fiquei sabendo do edital “Circuito de arte e cultura” da FCC. Escrevi o projeto e ele foi aprovado em 1º lugar.

Qual público é atendido e por quê?

Jovens de 13 a 17 anos. É um público que tenho muita empatia, além de ser a faixa etária que mais “curte” o grafite.

Como é a  receptividade desse público ?

Esta sendo muito boa. De forma geral o trabalho em equipe está sendo bem proveitoso, além da maioria deles estarem bem interessados em “provar” o uso dos materiais típicos da arte urbana, como sprays, tintas, stencils, etc.

Quais as transformações que  percebe naqueles   que participam? 

Os participantes aprendem a conviver e trabalhar em grupo, porque quase todas as atividades são cooperativas e dependem de várias parcerias para que aconteçam. A sessão dos muros depende da organização de um projeto de pintura, logo de uma conversa com o proprietário do muro. Pode parecer uma ação simples, mas é assim que os participantes vão aprendendo a conseguir o que necessitam para levar a cabo suas ideias.  Esses jovens pertencem a camadas sociais muito desfavorecidas. Com este projeto eles se sentem menos excluídos socialmente pelo fato de perceberem que podem transformar a cidade, e que devem tomar posse dela.

Como é a reação inicial dos moradores quando veem esse tipo d criação por parte dos  jovens da comunidade?

Muito positiva. Os proprietários são também nossos patrocinadores, e dessa forma também se sentem protagonistas desta mudança. Estamos tendo uma aceitação fantástica por parte deles.
arte e educação

Além do novo layout nos  muros, quais as conseqüências resultantes desse trabalho para os cidadãos do bairro?

Os muros são pintados com o objetivo de fazer as passantes pensarem, não só através das imagens, mas também da mensagem escrita, que são os conteúdos que essa juventude está pensando nos dias de hoje. Este muros-poéticos são uma paisagem diferente se comparados as grafites tradicionais, chamando a um olhar mais atento dos que passam.

Quantos bairros já foram contemplados até o momento e qual o período que ficam em cada um até a poesia-visual estar em seus muros?

Já foram contemplados três bairros: Novo Mundo (Portão), Vila nossa senhora da Luz (CIC) e Vila das Torres (Prado Velho). As oficinas acontecem durante três meses em cada bairro. As pinturas são realizadas no último mês de oficina.

Qual é a proposta sustentação para o que já foi realizado? 

A arte urbana está marcada pela efemeridade. Quando a criação vai para a rua já não existe um dono. Temos plena consciência que as pinturas podem durar um ano ou uma semana. E consideramos estas intervenções também interessantes.

Dentro do projeto, o que os participantes aprendem nas oficinas?

Os principais conteúdos são: História da arte, linguagens artísticas (desenho, pintura, gravura, etc.), leitura, escrita poética, poesia concreta, poesia marginal, manejo de materiais artísticos, etc.

arte e educação urbana e sustentável

Como “selecionam” os poemas visuais que serão pintados nos muros?

A seleção é realizada em parceria entre eu, orientadora das oficinas, e os participantes, que produzem vários desenhos e mensagens nos dois primeiros meses. Ao final do segundo mês dividimos o grupo em subgrupos e cada um deles escolhe o que acredita que de melhor existe em sua produção, para levar para os muros.

Na descrição do projeto, você cita “reivindicação do espaço público”. Poderia, por favor,  discorrer um pouco  sobre sua visão a respeito dos espaços públicos e seus cidadãos?

Este projeto é uma proposta de inserção positiva e criativa dos jovens nos bairros onde vivem, e uma reinvidicação do espaço público. Alguns destes espaços são ambientes de passagem e as pessoas que têm tempo de desfrutar deles não estão tão submetidas ao tempo econômico. A maioria têm somente o tempo suficiente para atravessá-lo. Ainda por cima, as ruas se converteram em um artigo de luxo da cultura publicitária, presente em todos os lugares e em todos os tamanhos, enquanto as manifestações populares da cultura e da sociedade se encontram debaixo de ameaça, como podemos ver pelos ataques da polícia contra os graffitis, os cartazes, a arte urbana e as iniciativas de jardinagem popular, entre outros. Estão criminalizando rapidamente tudo o que existe de realmente público na vida das cidades. Este projeto é uma forma saudável e organizada de refletir sobre essas questões e atuar de forma participativa dentro de um espaço que pertence a todos.

O desafio que nos colocamos é encontrar novos modos de contribuição da arte para a construção social. Acreditamos, portanto, que uma forma democrática e eficiente é a pintura Mural e a chamada Street Art. A Arte pública, definida por Lucy Lipard é “qualquer tipo de obra de livre acesso que se preocupa, desafia, implica e têm em conta a opinião do público para quem ou com quem foi realizado, respeitando a comunidade e o meio”.

Veja fotos aqui: Poesia no Muro

Qual sua experiência sobre “participação interativa” (tb citado na descrição) antes da criação do projeto? Isto é, qual sua vivência anterior em trabalhos relativos até chegar ao  Poesia no Muro?

Exerço o trabalho de arte-educadora há sete anos e neste período pude ter várias experiências positivas na área de interação comunitária. No SESC da Esquina, em 2008, coordenei uma turma de EJA. Lá deixamos de lado as disciplinas isoladas e resolvemos trabalhar a partir de temas, que serviam de base para a construção de projetos. O mais importante foi o projeto “Contrastes”, que objetivava aprimorar o olhar dos participantes com relação à arquitetura social da cidade. Num primeiro momento, foram feitos registros fotográficos dos contrastes que eram sido percebidos pelos participantes. Depois trabalhamos vários métodos de percepção sensorial e visual em sala de aula. Em 2009, trabalhei num projeto que envolvia duas gerações: jovens e idosos, na cidade de Badalona, na Espanha. Os dois grupos eram compostos por imigrantes ou filhos de imigrantes. Neste projeto tomávamos como base, a vida e obra de personagens da história mundial, nos campos da arte, da ciência, do esporte, etc. O mais importante nestes encontros eram as trocas que envolviam os participantes e conseguir a interação entre eles era o principal objetivo.

E após a conclusão dos propósitos dessa fase do projeto, quais serão os próximos passos?  

Estou trabalhando para ampliar este projeto em outras capitais do país, e ainda existe a ideia de fazer interagir os grupos que participam simultaneamente, em um encontro de trocas e pintura conjunta. Ainda não existe patrocínio nesta idéia de ampliação, mas vou fazer o possível para que esta idéia se viabilize.

Além do Poesia no Muro, com o que mais está envolvida na área de  arte-educação?

Atualmente sou orientadora da Oficina de Artes plásticas do Colégio Medianeira. 
Lá trabalho com crianças de seis a nove anos.

O que mais gostaria de realizar como extensão dessa proposta ou outras ideias para contribuir com a inovação e sustentabilidade de sua cidade?

Também estou envolvida no movimento de Mobilidade Sustentada. Realizamos a Bicicletada de Curitiba, e vários eventos relacionados ao uso da bicicleta e  implementação das ciclofaixas na cidade. Um de nossos eventos  é o Mês da Bicicleta, em  setembro, que conta com diversas atividades e muitos espaços espalhados por Curitiba.

Como está sendo para você a realização deste projeto?

Este projeto tem servido como aprendizado no campo da arte urbana e mais um experiência positiva no trabalho com grupos. Em todas as oficinas pude detectar verdadeiros talentos, tanto na área visual quanto na literária. Então, é muito prazeroso poder contribuir para que estes talentos possam mostrar seus trabalhos, e ainda antes disso, ajudar a perceberem suas potencialidades e dotar-lhes de autoestima.

Na página Poesia no Muro no Facebook você verá as belas fotos do projeto. Vale citar que as fotos em si já são muito poéticas. E também encontrará mais informações a respeito, além de entrevistas concedidas para televisão, rádios e jornais. 


Juliana Ferreira da Luz é Bacharel em Escultura pela EMBAP e graduanda em Letras pela UFPR. Trabalhou com arte-educação na Fundação Cultural de Curitiba e ministra aulas de pintura e escultura para crianças em escolas municipais de Curitiba.

Os créditos das duas primeiras fotos desta entrevista são do Fura-bolha e as duas últimas são dos responsáveis pelo projeto