1 de junho de 2012

CICLICCA, uma ode ao amor


Cristiane Iannacconi é dessas pessoas cheias de sol e serenamente atentas a tudo que acontece a sua volta. Seria mais ou menos como: “olhar, refletir e agir”.  
A cada dia, mais pessoas assim estão participando de movimentos a favor da sustentabilidade.

Uma pequena atitude pode ser invisível para alguns olhares; mas no dia a dia, somando com mais uma pequena atitude e mais outra e mais outra, faz com que ganhe evidência e, muitos de nossos hábitos equivocados mudam e se tornam sustentáveis, a partir desses exemplos. 

A Mestre em Design nos mostra na prática que é possível sim, viver bem, com conforto e muito bom gosto, respeitando os princípios da sustentabilidade. 

Dos tantos exemplos que Cristiane nos dá, posso citar que ela  prova que é fácil reutilizarmos e/ou reciclarmos o lixo e transformá-lo em belas peças de decoração (muito fashion's, por sinal); prova que é possível vivermos muito  bem fazendo uso da criatividade que está em nós e, no cotidiano,  reaproveitarmos diversos materiais que muitos ainda jogam no lixo.


Meio Ambiente e vida sustentável

Cristiane é idealizadora do Grupo Mobiliza na rede social Facebook, em parceria com Monique Futscher, que recentemente concedeu a entrevista Monique constrói pontes verdes, para o Fura-bolha.

O Mobiliza, como está claro em seu nome, é mais um de tantos grupos que temos, felizmente, e que tem como objetivo mobilizar a nós, cidadãos, para trocarmos ideias e informações, refletirmos sobre nossos hábitos e tomarmos consciência que todos viveremos melhor, com mais segurança, paz e amor, cultivando princípios que façam do nosso mundo, um lugar sustentável.

Nós, cidadãos deste planeta, estamos cada dia mais e mais antenados nas redes sociais virtuais, espaços que o advento da internet nos proporcionou. Através dessas redes, encurtamos distâncias e fazemos boas amizades. 
É a energia do amor que tomou posse dessa proposta e, sua "presença", está cada vez mais forte. Estamos aprendendo a transmutar medos, egoísmo, egocentrismo e preconceitos, em paz, generosidade, respeito e... muito amor.

Vale a pena ler Cristiane Iannacconi nesta entrevista, vale a pena saber um pouco mais sobre sua visão de vida e seus projetos, como o blog CICLICCA, o ECOPICNIC, o Movimento Eu quero Coleta Seletiva e o Grupo Mobiliza. 

Veremos como ela escreve com esses atos, uma ode ao amor e à vida. Isso é sustentabilidade.
Entrevista

Tem uma postagem em seu blog sobre o Ano do Dragão (2012), incluindo uma foto da bela tatuagem que fez em você. Como relaciona o significado sobre o Dragão de Água e a busca por um mundo sustentável?

O dragão tem uma relação com meu lado místico, espiritual. É esse aspecto que me faz entender a nossa relação com as pessoas, os demais seres vivos, o planeta, o universo... Se entendermos essa conexão, passamos a respeitar mais aos outros e ao meio ambiente. É o ensinamento mais importante pra mim: amai-vos e respeitai-vos uns aos outros. Tenho sentido falta disso no mundo. Tb tem que ter poesia, encantamento. Sou do ano de Dragão pelo horóscopo chinês e meu signo solar é câncer, ambos relacionados à água. Ela é sagrada para todas as religiões. Espiritualidade à parte, a água é o elemento primordial da vida. Precisamos ter mais respeito em relação a esse recurso natural e indispensável à vida, urgentemente e por ai vai.

Sustentabilidade

Como é seu envolvimento com a reciclagem? Por exemplo, confecção de brinquedos feitos de materiais que iriam para o lixo e outras ações.

Eu vejo as coisas ao meu redor de maneira diferente. Quando ando pela rua presto atenção nas coisas que as pessoas jogam fora e imagino destinos diferentes. O que cai na minha mão, se transforma. Desde usos mais básicos, como reaproveitamento de embalagens de plástico, tecido, papel para organização da casa e do ateliê de trabalho, até mesmo para criação de peças únicas para decoração e brinquedos divertidos. 


design sustentável

Infelizmente não dou conta de todo material, mesmo tendo reduzido drasticamente o consumo e boa parte desse material é reencaminhado para estações de coleta seletiva, catadores e instituições. 

Abdiquei de participar do ritual histérico de compras inventado pelo comércio e sustentado pela mídia para as celebrações do Natal e outras datas como dia das mães, dia das crianças, etc. 

Sou designer e já trabalhei diretamente com moda e tive uma pequena marca de roupas femininas que vendia no Babilônia Feira Hype e em outros mercados alternativos na Zona Sul do Rio. Hoje praticamente não compro roupas a não ser que seja uma necessidade real. Ás vezes, ganho roupas usadas bem bacanas de amigas. 

Quanto aos aparelhos eletrônicos, só compro novo depois que param de funcionar: nada de ceder à regra da obsolescência percebida, a maior bullshit. Isso não quer dizer que eu tenha me voltado contra a própria profissão, mas tenho um novo olhar sobre o design e a moda, principalmente. Estudei na PUC-Rio e lá se trabalha muito bem o design social, tudo a ver com essa preocupação com o meio ambiente e o próximo. Então, no fim, mais importante que reciclar é reduzir seu consumo o máximo possível.

Sobre os brinquedos, poderia citar alguns?

Meu grande xodó é a caixa de papelão que veio com o fogão de um vizinho e tem rendido muitas brincadeiras com meu filho. Não foi um aproveitamento feito do dia para a noite, tem sido um processo, um mix de brincadeiras, evoluindo assim como nosso aprendizado por uma vida mais sustentável. Se entrar de um lado é castelo, se entrar por outro é foguete espacial. Já foi suporte para colagem, desenho, pintura, carimbo... Também funciona como caixa de brinquedos quando necessário. Melhor do que trabalhar desenfreadamente para gastar num brinquedo industrializado, caro e que vem cheio de embalagens, é gastar esse tempo brincando com meu filho.

Manipular esses materiais maravilhosos que iam para o lixo, nos permitem exercitar a imaginação com as crianças e isso é bom. Aos três anos de idade meu filho já trazia embalagens pra mim dizendo que era para fazer uma arte. Dos brinquedos industriais que ele tem, muitos foram do primo, outros, presentes de família. No final do ano ele mesmo separa os que serão doados para crianças carentes; então, sabe que tem que brincar sem quebrar.
Papelão vira brinquedo
Ver Álbum A Caixa

 E sobre repensar, reduzir, reusar, o que faz?

Não dá para contabilizar isso. O aprendizado e a consciência desses conceitos devem ser internalizados ao ponto de você poder viver isso naturalmente. Não é uma posição radical, mas acabo incorporando como atitude diante das coisas da vida. A maior dificuldade é lidar com a regra vigente em nossa sociedade: as pessoas, mesmo as mais próximas, não entendem essas escolhas. Desde a minha recusa por sacolas plásticas no mercado, passando pelas roupas usadas, os aparelhos eletrônicos que não são o último lançamento do momento... Por incrível que pareça, tirando as pessoas que têm mais ligação com sustentabilidade, me veem como um ET, um peixe fora d’água.

Como surgiu a ideia do ECOPICNIC e qual a proposta dele?

Queria fazer um evento sempre que o CICLICCA completasse mais um ano. Como o aniversário é no dia 4 de dezembro, comecei com uma festa de Natal sustentável, e foi demais. Tudo foi pensado para incentivar as pessoas a reduzirem o consumo e terem mais consciência justamente em uma época do ano que só se pensa nisso.

Queria mostrar que dá para fazer uma decoração de Natal bela mesmo usando material reciclável que costumamos jogar fora. Também quis incentivar quem trabalha com produtos sustentáveis, já que é a época de compra de presentes. Também foi a minha primeira participação no Natal Sem Fome da Ação da Cidadania arrecadando brinquedos.
ECOPICNIC
Ver Álbum ECOPICNIC

No ano seguinte repensei e percebi que um piquenique seria tão mais adequado que, nos últimos dois anos, fizemos isso. A ideia de inspirar as pessoas a reduzir o consumo é a mesma: um parque não tem vitrines e produtos à venda. Brincamos, lanchamos e trocamos ideias sobre a preservação da vida humana no planeta curtindo sob a sombra das árvores: tudo a ver! A Monique Futscher do blog Mimirabolantes me acompanha desde o início no CICLICCA e tem sido minha maior parceira. Ela participou da primeira festa e dividiu comigo a realização dos dois piqueniques.

Você e Monique Futscher criaram o Grupo Mobiliza. Gostaria que falasse um pouco sobre seus objetivos e também a respeito da proposta de mobilização referente o lixo urbano.

Nós somos duas mães de família trabalhadoras e engajadas tentando realizar sozinhas esses eventos de incentivo sócio sustentáveis, sem fins lucrativos. Mesmo para o ECOPICNIC, temos toda uma logística de produção que não é mole. E a gente quer mais, só que precisamos de ajuda e de parceiros para essas realizações. 

O Grupo Mobiliza é uma tentativa de envolver mais pessoas com os mesmos interesses nessas realizações. A coisa toda ficou um tempo incubada, mas agora conseguimos lançar no Faceboook e esperamos ter participações mais engajadas e pessoas interessadas que dividam tarefas conosco. Que somem. Estamos pensando no bem comum, é isso.
Resíduos Sólidos e Coleta Seletiva

A campanha sobre o lixo é um apelo que fazemos a todos, cidadãos, indústria, comércio, poder público: somos todos responsáveis e é possível melhorar a coleta e destino desses materiais, consequentemente melhorar a qualidade de vida nas cidades. Estou cansada de andar pelas ruas do meu bairro e ver o lixo jogado por toda parte, é nojento e triste. A limpeza urbana só funciona bem na Zona Sul, mas por essas bandas do oeste, parece que voltamos à idade média. 

E o seu blog? Por que o criou e qual o motivo do nome Ciclicca?

Tudo começou com a chegada do meu filho ao mundo. Foi uma gravidez aguardada e planejada com carinho. Decidi viver ativamente a maternidade e não terceirizar a criação do pequeno. Por outro lado, não estava disposta a abandonar minhas atividades profissionais.

Ciente de que minha rotina mudaria, fui impelida a encontrar novos caminhos. Precisava de uma solução que congregasse meus diversos interesses e produzisse efeito positivo em nossas vidas. Assim, surgiu o CICLICCA. O nome tem a ver principalmente com ciclo de vida, tanto o nosso, quanto o dos produtos que produzimos, consumimos e descartamos.

Como designer, tenho um olhar crítico sobre as regras vigentes da indústria e comércio baseadas na obsolescência planejada e percebida de bens de consumo aliada ao imperativo consumista do marketing. Hoje, quando olho para o CICLICCA, vejo a minha história, a minha busca, a minha trilha por uma qualidade de vida diferente e sustentável. E poder enxergar esse crescimento é bastante reconfortante.

Sendo você Mestre em Design, qual sua visão sobre “comunicação sustentável”?

Por incrível que pareça, a sustentabilidade não é especificamente o meu objeto de estudo acadêmico, mas obviamente é a minha habilidade com pesquisa e metodologia científica que me permitem explorar o tema e encontrar soluções. Estudei na PUC-Rio, sob a tutela dos grandes mestres do design social. Lá tive a oportunidade encantadora de conhecer a Ana Branco, por exemplo, mãe da alimentação viva e do suco de luz do Sol. Hoje penso o design sustentável como uma solução que viabilize um projeto com o máximo de respeito ao meio ambiente, às pessoas e aos nossos recursos naturais.

Repensar, reduzir, reutilizar, reciclar....
Ver: Potes de plástico e vidros
Qual é a comparação que faz sobre o respeito à diversidade de ideias com a sustentabilidade?

Seria utópico acreditar que existe uma solução para os problemas que enfrentamos com o meio ambiente. Diversidade de soluções é um caminho mais realista. Mobilidade urbana, por exemplo, não se resolve com melhoria do transporte público ou ampliação de ciclovias e ciclofaixas, mas com cada uma dessas soluções combinadas.

Outro dia li no muro de uma escola a frase “reciclagem é a solução”. Isso é uma ilusão. A solução está além: é reduzir, reutilizar, reciclar, educar, socializar, respeitar...

Somos todos diferentes, é preciso respeitar essas diferenças. Temos que dialogar sobre as opções e encontrar formas de conviver com mais harmonia. Sustentabilidade e solidariedade são conceitos pares. Veja bem, não é porque eu não compro roupas que todos devem fazer o mesmo. Cada um tem que encontrar o próprio caminho, fazer a sua parte.

O que gostaria de mudar na vida das pessoas, se pudesse?

Nossa! Essa pergunta é a mais difícil, rs. Penso que se agirmos com mais consciência, tendo em vista a sustentabilidade e a solidariedade como premissa, teremos mais qualidade de vida como indivíduos e como coletividade. Queria que as pessoas tivessem mais condições de entender seus preconceitos e erros e superá-los a ponto de colocar o RESPEITO ao próximo em primeiro lugar.
Vida em abundância
Ver: Carimbos Artesanais

Você acha o mundo era melhor na época em que tinha 18 anos?

Se era melhor, eu não sei te dizer, mas eu tinha menos preocupações, né? Muita coisa mudou. Principalmente a tecnologia e isso em si têm suas implicações sociais. Mas ainda somos ignorantes e preconceituosos enquanto sociedade. Quando vejo lixo espalhado pelas ruas da cidade, acho que ainda estamos na idade média e nos faltam até as noções básicas de saúde e higiene. E como pode a coleta seletiva ainda ser considerada inviável? Isso parece ter a ver com a corrupção assumida e impune que reina no Brasil.

O que acha das pessoas que optam por uma alimentação vegetariana em defesa dos animais?

Queria ser como elas, rs. Venho de uma família de carnívoros, mas sempre tive implicância física e psicológica com carne. Evito ao máximo comer carne vermelha porque acho que é a pior delas em todos os sentidos. E se pensar pra valer, além do karma por trás dessa alimentação morta, tem a preocupação com o próprio futuro dos nossos recursos.

Já falamos da água aqui e sabe-se que para produzir um boi adulto para abate gasta-se uma quantidade exorbitante de água, além da área desmatada necessária para o pasto. Mas não consigo deixar de comer peixe.

Admito que seja muito difícil a gente ser perfeito e acertar em tudo. Mas a vida é assim mesmo. O importante é o aprendizado e a consciência de si mesmo e do seu entorno. É preciso também ter coragem e vontade de mudar, mesmo que gradualmente, buscar o equilíbrio.


Respeito, dignidade, diversidade
Ver: isopor nos vasos do jardim

Acha que está conseguindo realizar sua parte para preservação do planeta com bom humor e leveza?

Com certeza. Fazendo um bem a gente se sente bem. Gentileza gera gentileza, né? Fui criada na igreja católica e me diziam que era preciso catequizar as pessoas. Acho que catequizar é dar bom exemplo fazendo o bem sem olhar a quem, tratando todos com dignidade e isso não significa falar de religião. Religião enquanto instituição está mais ligada à política e isso não é, nem de longe, o meu barato

É preciso bom humor e leveza para trazer as pessoas para o seu lado, né? Eu não consigo ser radical, nem consigo ainda fazer tudo que eu acho que preciso fazer pelo meio ambiente, quanto mais cobrar isso dos outros. Também não sou a dona da verdade, nem conheço quem o seja. Mas se eu inspirar alguém a fazer algo do bem, já está de bom tamanho.

É considerada radical sobre seus cuidados com o meio ambiente?  Caso sim, como absorve isso?

Não. Radicalismo não combina comigo. Busco suavidade, parcimônia, embora haja momentos em que é preciso ter intensidade. Essa suavidade tem a ver com a possibilidade de diálogo e de escolha, individualidade e capacidade. Mas sei que às vezes é difícil lidar com minhas próprias cobranças.

Como relaciona generosidade versus liberdade?

Acho que liberdade é um conceito utópico, como a democracia. Quero dizer que nossa liberdade é cheia de limites. E precisa ser mesmo. A minha liberdade termina onde começa a sua. Mas as pessoas não estão nem ai para isso e passam por cima umas das outras, estão mais para “os incomodados que se mudem”, mas não pode ser assim. A generosidade está ai, em você ter a consciência de que não é o centro do universo e que precisa respeitar os demais, porque o que você faz afeta os outros.


Qualidade de vida e liberdade
Ver Álbum Terrarium

E generosidade versus sustentabilidade?

Generosidade tem tudo a ver com sustentabilidade. É justamente o que eu falo, de ser capaz de enxergar a sua relação com os demais seres vivos e não deixar de fazer o bem que pode fazer. Cuidar do meio ambiente é fazer um bem coletivo

Acha que pode existir sustentabilidade sem liberdade? Por quê?

Não. Para ser sustentável é preciso ser culturalmente aceito. Aceitação é diferente de imposição, daí a relação com a sustentabilidade.

Quais as nossas atitudes que considera uma contribuição para que todos vivam bem?

Respeito e generosidade são a base. E respeito, independente de sexo, idade, raça, crença, nacionalidade, poder aquisitivo, etc.