12 de setembro de 2011

A casa ecológica de Piranguinho

arquitetura sustentável

O biólogo e diretor da empresa Gaia Terranova, Evandro Sanguinetto, construiu uma casa em Piranguinho, no sul de Minas Gerais, seguindo conceitos ecológicos e sustentáveis, aliados a conforto e um belo design; uma tendência que ganha mais força a cada dia, o que é bom para o planeta e para todos que nele habitam. 
Entrevista

O que o levou à decisão de construir uma casa nesses moldes?
O local foi em função de buscarmos maior qualidade de vida. Quanto à casa, já que tínhamos resolvido construir, quisemos fazê-lo de maneira mais ecológica, mais sustentável.


Como foi a escolha do terreno?
Visitamos todas as cidades da região, que têm crescido muito e os preços crescendo na mesma proporção. Um terreno na cidade custava o mesmo que um terreno seis vezes maior há poucos quilômetros do centro. Então optamos pela zona rural.

Construção Sustentável com design biofílico

E a partir dai como foi  a elaboração do projeto?
Contratamos uma arquiteta para fazer o projeto da casa. Ao mesmo tempo eu fazia pós e logo o mestrado em Meio Ambiente e Recursos Hídricos na Universidade Federal de Itajubá. 

Então a teoria ajudou em vários conceitos, assim como a prática na construção ajudou na teoria. O tema da especialização e mestrado foi o Desenvolvimento dos sistemas de tratamento de águas pretas e cinzas, que chamamos Tecnologias Vivas. 

E na Universidade iniciava-se um programa de Pré-Incubação de empresas, do qual participamos, buscando juntar a teoria e prática de modo a levar esse conhecimento e vivência para o mercado. Surgiu assim a Gaia Terranova, uma empresa socioambiental.

A preparação para a construção é diferente ou igual a uma residência convencional?
Em relação à parte física é a mesma coisa. O que muda muito é a concepção, o planejamento, o design.

HabitatSustentável

Quais os materiais e produtos necessários para erguer uma casa dentro dos princípios da sustentabilidade?
De preferência materiais locais. Procuramos ao máximo trabalhar com o que tínhamos na região. Metade da madeira do telhado veio de madeira de demolição, de casas sendo derrubadas na cidade. Algumas janelas, vitrôs, portas, vieram tb de demolição e ferro velho. Mas os tijolos, sendo de solocimento (tijolos ecológicos), vieram de São Paulo, já que na região não encontramos esse produto.

Construção ecológica

Quanto tempo levaram para construí-la?
Utilizando os tijolos de solocimento, produzidos em escala, com medidas precisas e formato macho-fêmea que permite seu encaixe, como num jogo Lego, levantar a estrutura foi rápido. Em 45 dias a casa estava levantada. Mais alguns meses para o acabamento e, em cinco meses já estávamos mudando.
design biofílico

Tudo na casa e em volta dela está dentro do que poderíamos definir como 100% sustentável?
Não, de modo algum. Avançamos bastante, mas estamos ainda muito longe da sustentabilidade. Para isso precisaríamos viver como parte de ecossistemas e não à parte. Para nossa sociedade alcançar a sustentabilidade teremos que aprender a atuar como integrantes da teia da vida, entendendo e participando de seus ciclos, teias e redes.
No ambiente natural, no sistema vivo do planeta, o gás carbônico, por exemplo, se mantém em equilíbrio na atmosfera por conta de um grande “acordo” planetário entre animais e seres fotossintetizantes, de modo que os resíduos de uns seja aproveitado pelo outro: na fotossíntese o resíduo é o oxigênio, que os animais aprenderam a utilizar nos processos bioquímicos internos, o que, por sua vez, geram o gás carbônico como resíduos, que é então aproveitado na fotossíntese, fechando o ciclo.


O mesmo acontece, em outro exemplo, com a matéria orgânica: o resíduo da floresta (folhas, galhos, troncos, fezes, etc) vira adubo, nutrientes para a própria floresta. Nossa sociedade, ao contrário, desperdiça os resíduos orgânicos que produz (restos de alimentos, fezes, urina, etc), jogando-os nos corpos d’água sem tratamento, o que gera problemas no lugar de soluções.
Tudo está interligado e a vida planetária aprendeu a tecer redes que a sustentam. Nossa sociedade aprenderá o mesmo com o tempo.
Terra, mate´ria orgânica, atmosfera, planeta

E os cuidados para preservá-la?
Basicamente tem sido pintura. Vimos utilizando impermeabilizante a base de água, mas percebemos que o sol o degrada rapidamente. Sendo os tijolos à vista, o impermeabilizante mantém sua cor natural, de terra. Então, estamos pensando e buscando alternativas que traga soluções mais duradouras.



Depois de três anos nessa casa, como está o dia a dia da horta orgânica, do jardim, e o que mais estão implementando?
Iniciamos com a ideia e proposta de que criaríamos ou reforçaríamos as condições básicas para a vida se desenvolver no local. Isso significou ampliar a disponibilidade de matéria (nutrientes) e energia no sistema.

A energia captamos do sol, via fotossíntese, e da chuva, via curvas de nível e bacias de contenção. A matéria veio do manejo das plantas que estavam no terreno, basicamente capim brachiaria que foi constantemente cortado e deixado no solo, protegendo-o do aumento de temperatura e do sol ao mesmo tempo em que mantinha maior umidade no solo, apodrecia e liberava nutrientes.

Esses capins já foram eliminados do sistema, pois as frutíferas e outras árvores que plantamos foram sombreando o local e crescendo com a maior disponibilidade de água e nutrientes.

O manejo dessas plantas (corte de galhos, queda de folhas) tem aumentado a disponibilidade de nutrientes para o solo, criando um ciclo positivo de ampliação constante de nutrientes, como numa floresta.


Ao mesmo tempo, as tecnologias vivas, enquanto tratam os esgotos da casa (águas pretas, oriundas de vasos sanitários e águas cinza de pias, tanques, ralos, máquinas de lavar e chuveiros) geram grandes volumes de plantas que são podadas e compostadas.

Todo esse manejo reverte em composteiras espalhadas pelo terreno e hortas, que produzem alimentos que voltam pra dentro de casa fechando ciclos de nutrientes.


Ciclo de nutrientes-Fotossíntese

Quantas pessoas estiveram envolvidas cotidianamente na construção e quais eram suas competências?
Na construção tivemos entre cinco e dez pessoas em diferentes momentos. Para levantar a casa contratamos pessoal especializado em solocimento e que nos entregou a casa já levantada. Para o acabamento contratamos pessoal local, para aprender na prática sobre construção.
Tecnologias Vivas e tijolo sustentável + Casa Ecológica


E os que pouco entendiam sobre o que é ou não ecológico e sustentável, como era a troca com eles?     
As conversas foram constantes e, de início pouco entendiam. O tempo de convívio foi relativamente pequeno também, já que foram profissionais específicos (elétrica, telhado, assentamento de pisos, etc.). O pessoal do solocimento foi mais receptivo, mas seu conhecimento era mais restrito em relação ao tijolo ecológico, entendendo pouco das relações que estávamos construindo entre casa, sistema de tratamento, terreno, vizinhança e bacia hidrográfica.
Curso sobre Construção Sustentável para engenheiros
Minicurso "Princípios da Construção Sustentável" -2012
Ver Álbum Página Facebook Gaia Terranova

Alunos do curso de Engenharia Civil

“...Simbolicamente é esse o aprendizado: construir sonhos com bases sólidas de rocha, granito rosa. Manifestar, concretizar, tornar sólido, concreto uma ideia, um sonho, um ideal. Manifestar na matéria o que vai no mundo mental. E fazer isso pelo coração, pelo emocional. Integrar os corpos físico, emocional, mental. Equilibrar os corpos densos, densificar. Transcender, espiritualizar, no caminho de volta. O ciclo céu-terra-céu...” 
Como é a relação com os vizinhos sobre questões ambientais domésticas? 
Adotamos o jeito mineiro de fazer as coisas, meio calados, preferindo mostrar resultados no lugar de teorias. Mas não perdemos a oportunidade de falar com eles e, recentemente, começamos a falar na possibilidade de todo o condomínio se voltar mais para a sustentabilidade, o ecológico. Várias escolas já vieram conhecer a casa, assim como jornais locais, televisão e rádios e, aos poucos a ideia vai se espalhando pela sociedade.
Reaproveimentanto de Águas cinzas e Captação da Chuva

Existe muita diferença entre construir uma casa sustentável em um vilarejo ou em uma grande cidade? 
As cidades, via de regra, não foram pensadas e planejadas considerando as teias, ciclos e redes vivas. As mais recentes, de 200 anos pra cá, foram construídas com base na visão mecanicista, priorizando máquinas no lugar de pessoas, usando a lógica cartesiana de dividir, fracionar, isolar. Já começamos a repensar esse modelo, mas é mais difícil construir o novo sobre fundações velhas. Não impossível, porém, mais caro, dispendioso e os resultados são relativos.
Algumas novas cidades já começam a surgir seguindo outra lógica, a da sustentabilidade. Mas estamos ainda no começo de um longo processo de aprendizado.


Compostagem e adubo=terra viva e fértil

Poderia citar uma média na diferença de investimento financeiro?
No nosso caso a diferença foi de 30% mais barato.

Até que ponto é possível adaptar uma casa e um prédio de construção convencional para um formato mais sustentável?
Varia muito de uma construção para outra, mas muita coisa pode ser feita em relação à insolação, captação de água de chuva, telhado verde, eficiência energética, etc.

Tijolo ecológico - tijolo solicimento

Construção sustentável e ecológica é a mesma coisa?
A definição de sustentabilidade se apoia em um tripé econômico, social e ambiental. O ecológico diz respeito a relações tecidas entre fatores bióticos (vivos) e abióticos (não-vivos). 

Então uma construção sustentável pode incorporar elementos de eficiência energética, por exemplo, enquanto enviam seus esgotos sem tratamento para a rede pública. 

No caso do ecológico há uma preocupação de inserir a construção em um sistema mais amplo, olhando também o em torno da construção, o terreno, a vizinhança, a bacia hidrográfica local, as relações com o sol, o vento, as brisas, chuvas, ecossistemas locais, etc. 

Hoje estamos pesquisando um passo além, chamado Design Biofílico, ou amigo da vida, e tendemos a evoluir nossos conceitos em direção a construções sustentáveis e biofílicas.


"...o terreno, a vizinhança, a bacia hidrográfica local, as relações com o sol, o vento, as brisas, chuvas, ecossistemas locais, etc."

O que é um Habitat Sustentável?
O que chamamos de Habitat Sustentável é o que foi descrito acima em relação ao terreno, que planejamos para ser parte dos ecossistemas locais, com áreas reproduzindo florestas, as tecnologias vivas funcionando como banhados, brejos, várzeas, as hortas funcionando como provedoras de alimentos e todo conjunto funcionando como fontes de alimento para pequenos animais, pássaros, abelhas, borboletas... 

Trabalhamos não com a ideia de competição, mas com a ideia de colaboração, cooperação e coevolução, gerando abundância, diversidade e Cultura de Paz.


Coevolução, abundância, diversidade, cultura da paz

Qual seu conhecimento e opinião sobre telhado verde?
Temos planejado a implantação de um telhado verde e produtivo na nova casa que estamos construindo, que deverá ter solo suficiente para atuar como filtro para águas de chuva e na produção de alimentos de base orgânica.


Tecnologias Vivas e Habitat Sustentável

O levantamento feito pela organização Green Building Council (GBC Brasil), diz que o Brasil ocupa a quinta posição no ranking mundial de empreendimentos verdes e que 50% dos que buscam a construção sustentável são para edificações comerciais (preocupação com desempenho econômico e sustentável). 
Qual a sua avaliação sobre os resultados dessa pesquisa?
Nosso foco é em relação a construções para classe média e baixa e estamos desenvolvendo indicadores e parâmetros que nos permitam projetar em função desses objetivos, a um custo menor e viável. Não pretendemos certificar, mas desenvolver diretrizes que nos permitam pensar, conceber, desenhar e planejar de maneira mais sustentável e biofílica.


Casa ecológica =sustentabilidade

Para aumentar o número de residências dentro dos princípios de construção sustentável, o que  julga ser necessário?

Uma grande mudança de valores, conceitos, entendimentos e vontade política.

Educação Ambiental e Arquitetura Ecológica

Qual seu envolvimento em propostas de capacitação e disseminação do conhecimento nessa área de construções sustentáveis?
Estou fazendo disciplinas como aluno especial na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e busco a regularização como aluno de doutorado, pois a intenção é dar aulas a esse respeito. Já demos e damos cursos diversos aqui na região, atendendo escolas e faculdades.

Iniciamos agora um projeto em parceria com a Universidade Federal de Itajubá, Superintendência Regional de Ensino, Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Sapucaí e Circuito Turístico Caminhos do Sul de Minas, com apoio e financiamento da CAPES, para atender alunos e professores de escolas da região, dentro do programa Unifei nas Escolas, com o projeto “Educação para a Sustentabilidade: em busca de Sociedades Sustentáveis”.

A estratégia é trabalhar com professores e depois alunos de modo que estes possam replicar em suas comunidades o que desenvolvemos aqui em Gaia Terranova.


Construção Sustentável e Educação Ambiental

O que  acha que  moradores de grandes centros urbanos podem fazer,  sem ter que chamar um especialista, para que suas moradias tenham  um formato mais sustentável?
As mudanças começam dentro, não fora. Então pode começar repensando seus valores, crenças, hábitos, e tornando sua vida mais sustentável e prazerosa. 

Pode rever suas escolhas de consumo, por exemplo. Pode se perguntar: como a natureza resolveria esse problema aqui? Pode olhar para uma sala escura e se perguntar: como poderia trazer luz do sol pra iluminar aqui, sem precisar manter as luzes acesas por tanto tempo? Poderia tirar da tomada os aparelhos eletrônicos que consomem energia (por volta de 5% do total de uma casa) no modo stand by, com as luzinhas acesas sem necessidade. 

Pode fechar a torneira enquanto escova os dentes, faz a barba, lava a louça, etc. Pode colocar caixa acoplada no vaso sanitário e dar pouca descarga quando usá-lo apenas para urinar. 

Pode compostar os resíduos da cozinha (cascas, talos, folhas, etc), transformando tudo em adubo e usá-lo em floreiras pra enfeitar a casa, ou em jardins de caixote pra produzir temperos no apartamento. 

Pode pintar as paredes com cores claras pra iluminar melhor e gastar menos energia. E, claro, pode optar em ir morar longe de grandes cidades, rs.


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Evandro Sanguinetto é Biólogo, Especialista e Mestre em Ciências em Meio Ambiente e Recursos Hidricos - UNIFEI, e diretor de pesquisa, desenvolvimento e inovação da Gaia Terranova, empresa que presta assessoria e consultoria em empreendimentos sustentáveis.  

Blog:  www.gaiaterranova.blogspot.com
Link encurtado desta entrevista:  http://migre.me/dp4sG

Os créditos das fotos são do entrevistado.